Maneira vegana de pensar: Dr. John McDougall explica a morte de Steve Jobs
Tradução de VeganThink: Dr. John McDougall Explains the Death of Steve Jobs by Kaayla Daniel
(http://www.westonaprice.org/blogs/kdaniel/veganthink-dr-john-mcdougall-explains-the-death-of-steve-jobs/)
Traduzido por Renato Alves.
Steve Jobs viveu mais 30 anos, após ter desenvolvido câncer pancreático, graças a sua alimentação vegana.
Esta é a alegação absurda do Dr. John McDougall, em uma palestra que tem sido assistida por mais de 52.500 pessoas, no YouTube, http://www.youtube.com/watch?v=81xnvgOlHaY, e amplamente elogiada na comunidade vegana como exemplo cientificamente plausível da maneira vegana de pensar.
McDougall especula que Jobs começou a desenvolver câncer em seus vinte anos, o que poderia ser bem o caso, uma vez que a maioria dos cânceres se desenvolve anos antes do diagnóstico. Entretanto, por esta linha de pensamento, qualquer um diagnosticado com câncer, que tenha alcançado a meia-idade, poderia estar vivendo trinta anos, passados desde que a célula cancerosa inicial se dividiu. A maioria destas pessoas teria se alimentado de acordo com o padrão norte-americano, com alto teor de açúcar, amido, produtos de origem animal industrializados e todo o tipo de porcaria alimentar nacional. McDougall sustenta que, de alguma forma, produtos de origem animal causaram aqueles cânceres, mas a obsessão, durante quase a vida toda, de Jobs pelo veganismo poderia ter senão prolongado sua vida!
Então, por que Jobs desenvolveu câncer, a despeito do que o próprio McDougall admite ter sido uma “alimentação estritamente vegana”, com poucos lapsos, ao longo de sua vida? A postura de McDougall — e ele não arreda pé dela! — é a de que alimentação vegana previne e cura câncer. Portanto, deve ter sido azar — o equivalente a “ser atingido por um raio” ou “atropelado por um carro” — o que causou o câncer em Jobs e permitiu sua progressão.
De que outra forma explicar o fato de Steve Wozniak (uma pessoa com excesso de peso, viciada em fast-food), Bill Gates e outros pioneiros da computação estarem vivos, não obstante exposição semelhante a chumbo e cádmio carcinogênicos, por causa das soldagens das peças de computadores, bombardeamento de radiação a longo prazo e a campos eletromagnéticos, bem como demais fatores de risco pelo estilo de vida que teriam colocados todos eles em risco maior de câncer? A razão por que estas coisas causaram câncer em Jobs, mas não nos demais, deve ter sido questão de sorte, porque a alimentação vegana de Jobs “não poderia ter feito outra coisa, senão ajudado-o”.
Obviamente, nenhum de nós pode dizer com certeza o que causou câncer pancreático que levou Steve Jobs ao óbito, ou o que, caso exista, poderia tê-lo salvado. Alimentação, estilo de vida, fatores ambientais e genéticos… Todos devem ser considerados. Mas a incapacidade de McDougall de sequer levar em conta o papel que a alimentação vegana de Jobs — e frutivorismo freqüente — pode ter desempenhado em sua morte é, na melhor das hipóteses, sem serventia e, na pior, irresponsável.
Pouco depois da morte de Jobs, em 5 de outubro de 2011, li a biografia Steve Jobs, escrita por Walter Isaacson, e publiquei o conteúdo de dois blogs “iVegetarian” neste site de internet, no qual eu documentei detalhadamente um padrão de fanatismo alimentar de longa data, distúrbios alimentares e alterações de humor, desde os tempos da adolescência de Jobs.
Pelo lado positivo, sua alimentação parece ter sido orgânica e de alta qualidade, e, em momento algum, ele pareceu ter sido um junk-food vegano, que se rendera a alimentação junk-food norte-americana, como refrigerante, chocolate, biscoitos e salgadinhos.
Pelo lado negativo, Jobs foi um consumidor exageradamente meticuloso, que ia e vinha de fases frutívoras, na maior parte de sua vida, mas sistematicamente preferia muitas frutas e suco delas. Os refrigeradores da Apple estavam sempre muito bem guarnecidos de sucos da Odwalla[1], e diversas fontes relataram, ao longo dos anos, que ele freqüentemente pedia sucos em restaurantes. De fato, isto foi a parte mais sistemática de sua alimentação, ao longo de sua vida.
Frutas e seus sucos não apenas possuem alto índice glicêmico, mas também são carregados de frutose. Quando não em pequenas quantidades, desgastam muito o fígado e o pâncreas, contribuem para diabetes e muitos outros distúrbios relacionados a taxa de açúcar sangüíneo e foram relacionados a câncer pancreático. Jobs sofreu de um tipo de câncer pancreático conhecido como carcinoma de células da ilhota, que se origina nas células beta secretoras de insulina.
Que a frutose presente na alimentação com imensa quantidade de frutas de Jobs provavelmente contribuiu para o câncer é sustentado por pesquisa publicada em novembro de 2007, no American Journal of Clinical Nutrition, que concluiu existir “evidências de maior risco de câncer pancreático devido a ingestão elevada de frutas e sucos de frutas, mas não a ingestão elevada de refrigerantes”. Em outras palavras, os sucos “saudáveis”, regularmente bebidos por Jobs, podem ter sido até piores do que os refrigerantes que ele parece ter rejeitado.
Mais recentemente, em agosto de 2010, em uma matéria da Cancer Research, Dr. Anthony Healy, do Jonsson Cancer Center, e diretor do Pituitary Tumor and Neuroendocrine Program da UCLA[2], propôs que o metabolismo anormal de frutose (e não apenas o metabolismo anormal de glicose) pode estar relacionado com a patogenia de câncer pancreático. Parece que a frutose fornece a matéria-prima que as células cancerosas preferem usar para fazerem o DNA de que necessitam para se dividirem e proliferarem.
Embora as descobertas da UCLA sejam preliminares, baseadas em linhas de células, e mais sugestivas do que inquestionáveis, no atual estágio, a manchete da Reuters, Células de câncer dão goladas em frutose [Cancer Cells Slurp Up Fructose], é uma advertência razoável a qualquer um de nós que seja viciado em frutas e seus sucos. Embora o trabalho seja vastamente mencionado em recomendações para se afastar da quantidade de xarope de milho com alto teor de frutose, presente na alimentação moderna, ele aponta os perigos do suco de fruta também.
McDougall leu a biografia escrita por Isaacson e baseou muita de sua especulação nela, embora, de alguma forma, tenha lhe passado despercebido, ou ele optou por ignorar, o fato de que a linha de veganismo praticado por Jobs utilizava quantias enormes de suco de fruta, com sua carga perigosa de frutose. Ao invés disto, McDougall compreende como a falha principal na alimentação “mais excelente possível” de Jobs comer produtos análogos de carne, ricos em isolado de proteína de soja carcinogênico. De fato, como apresentei de maneira ampla no capítulo 16 de The Whole Soy Story: The Dark Side of America’s Favorite Health Food [A história da soja toda: o lado negro do alimento saudável favorito dos Estados Unidos], isolado de proteína de soja e outros produtos de proteína da mesma leguminosa são fatores de risco bem reconhecidos do tipo exócrino de câncer pancreático que tirou a vida dos atores Michael Landon, Patrick Swayze e do astronauta Sally Ride, mas não do tipo endócrino, muito mais raro, que ceifou a vida de Jobs.
Ademais, possuímos poucas evidências de que Jobs comera muita soja ao longo de sua vida. Em um livro repleto de referências alimentares, Isaacson não menciona a soja uma vez sequer. Certamente, a cultura da Apple é a favor da soja, com leite de soja prontamente disponível em máquinas de vendas de lanche automáticas e nos recintos para café, bem como carne de soja ser servida nas cantinas da empresa. Mas não temos evidências legítimas, senão a de que Jobs a apoiava. Com efeito, é muito provável que ele a rejeitasse, por causa de sua fascinação de longa data pelo livro The Mucusless Diet Healing System [O sistema curativo da alimentação sem mucos], de Arnold Ehret (1866-1922). A linha peculiar de maneira vegana de pensar de Ehret sustentava que o corpo humano era um “motor a gás” que funcionava bem somente com frutas, vegetais não amiláceos e folhas verdes comestíveis. Soja e outros legumes, de acordo com esta forma de pensamento, deveriam ser desprezados, por serem alimentos mucogênicos proibidos. Ehret, cujo próprio “motor a gás” pifou, enguiçou e morreu aos 56 anos, a mesma idade de Jobs, não apenas condenava a proteína e a gordura, como “não naturais”, mas também dizia que o corpo não conseguia usá-las.
Inspirado pelas teorias de Ehret, parece que Jobs seguiu uma alimentação com baixo teor tanto de proteínas quanto de gorduras, durante a maior parte de sua vida. E o que ele comia, então? Carboidratos ricos em frutose, exatamente o tipo de carboidratos relacionados a problemas de glicemia e câncer pancreático.
McDougall também possui uma forte opinião sobre os sofrimentos antecedentes de Jobs sobre dolorosos cálculos renais, que ele declara não se tratarem, de forma alguma, de pedras nos rins, mas diagnóstico equivocado de seu pâncreas enfermo. Como é que é? Aqueles órgãos estão localizados próximos um do outro no corpo, portanto, são facilmente confundidos por médicos menos sábios do que ele. Seu principal raciocínio lógico é que cálculos renais simplesmente não podem ocorrer em alguém com alimentação vegana. Consoante a teoria da maneira vegana de pensar sobre o desenvolvimento de pedras nos rins, a carga ácida, advinda de proteínas de origem animal, causa descalcificação óssea, levando a cálcio dissolvido no sangue, atingimento do trato urinário e formação de cálculos renais. Jobs não consumia produtos de origem animal, logo não poderia ter aumento de acidez e, portanto, não poderia ter desenvolvido pedras nos rins.
Uma explicação mais provável é que os cálculos renais de Jobs foram o resultado previsível de sua alimentação com alto teor de frutose. O açúcar, incluindo a frutose (o açúcar da fruta), que os veganos acreditam ser super saudável, perturba o equilíbrio mineral do corpo, interfere na absorção de cálcio e de magnésio e pode levar a uma miríade de problemas de saúde, incluindo cálculos renais. De fato, existe tanta pesquisa ligando consumo elevado de sucos de frutas por crianças a maior incidência de desenvolvimento de pedras nos rins em idades tão jovens quanto a dos anos do jardim de infância, que tal matéria foi coberta pelo jornal The New York Times.
Ainda, a maneira vegana de pensar é falha em não reconhecer quão freqüentemente os cálculos renais se desenvolvem a partir de oxalatos, compostos indigeríveis, encontrados apenas em alimentos de origem vegetal. Os oxalatos são particularmente elevados nos alimentos básicos veganos, como espinafre e outros vegetais folhosos escuros, salsa, beterraba, cenoura, morango, castanhas, amendoim, soja e chocolate. Isaacson não diz nada a respeito de Jobs comer castanhas, amendoim, soja ou chocolate, mas diz fartamente sobre sua adoração por frutas, legumes, saladas e sucos.
Onde mais McDougall se perde? Interpretando relatórios a respeito do gradual amarelamento e alaranjamento dos olhos e pele de Jobs, em seus vinte anos, como prova de obstrução dos dutos biliares e o princípio insurgente de câncer pancreático fatal de que o veganismo, de alguma maneira, deu conta por impressionantes 30 anos. A razão óbvia, amplamente conhecida, até mesmo na literatura vegana: excesso de suco de cenouras, muito sabidamente consumido por Jobs[3].
Em suma, a palestra de McDougall se adiciona a todo um rol de especulações, suposições e alegações questionáveis, incluindo a idéia completamente errônea de que é da natureza das células cancerosas se dividirem, bem como os tumores crescerem, de forma tão ordenadamente previsível que a progressão da doença possa ser calculada, utilizando-se tabelas de multiplicação. Embora sua matemática simplória não proceda, a maioria dos “comentaristas” no YouTube optaram por aceitá-la, ao invés de achincalharem a pronúncia pseudo-francesa de McDougall da palavra “centímetros” como “sahntomíters”. Eu poderia apostar que alguns médicos, em algum lugar, falem desta forma, mas isto somente aumenta a impressão geral de um pseudo-intelectual disseminando pseudo-ciência.
McDougall começa, dizendo que ele “gosta do desafio de aprender coisas novas”. Ele termina, dizendo que ninguém — ninguém! — jamais refutará sua teoria. Maneira vegana de pensar!
* * * * *
Agradeço Sylvia Onusic, PhD, pela leitura e comentários a este artigo.
[1] Empresa de produtos alimentícios que comercializa sucos de fruta, extratos e barras alimentares. (Fonte: Wikipédia.com. Nota do Tradutor: NT)
[2] Universidade da Califórnia, campus de Los Angeles (University of California at Los Angeles). (NT)
[3] Daqui, pode-se especular se a possível sobredosagem de betacaroteno, proveniente da ingesta excessiva de suco de cenouras, atingira nível de toxicidade prejudicial à saúde de Steve Jobs, contribuindo para sua enfermidade. (NT)
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