As novas vestes do imperador: novas linhas de orientação ousadas para “pré-hipertensão”
Tradução de The Emperor’s New Clothes: Aggressive New Guidelines for “Prehypertension”, Paul J. Rosch, 10 de dezembro de 2003.
Traduzido por Renato Alves.
Até poucas semanas atrás, se você perguntasse a qualquer um, incluindo a um médico, o que se considerava uma pressão sangüínea normal ou desejável a um adulto, a resposta mais freqüente seria 12/8. Não mais. De acordo com as novas linhas de orientação “oficiais”, 12/8 coloca-o em uma nova categoria de doença chamada “pré-hipertensão” e em risco maior de ataque cardíaco, derrame ou doença renal. As recomendações para corrigir este distúrbio potencialmente fatal são o usual conselho para perder peso, evitar sal e alimentos com alto teor de sódio, exercitar-se regularmente, parar de fumar e reduzir o distresse.
Todavia, todos sabemos quão difícil é atender a tais metas, quanto mais mantê-las. E, mesmo se você conseguir, os resultados não são tão recompensadores, mesmo para pacientes com pressão sangüínea de 16/10 ou superior. Pessoas com pré-hipertensão geralmente descobrem que nenhuma destas modificações de estilo de vida normaliza sua pressão sangüínea, o que significa que são necessários medicamentos. Mais um ponto para a indústria farmacêutica.
As novas vestes do imperador
As novas linhas de orientação estão contidas no Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure [Sétimo Relatório do Comitê da Junta Nacional de Prevenção, Detecção, Avaliação e Tratamento de Hipertensão Arterial], JNC-7, emitido em maio de 2003. As medidas propostas para tratamento de pressão sangüínea alta no JNC-7 não se diferem grandemente daquelas contidas no primeiro relatório do JNC, lançado em 1977, principalmente as mudanças no estilo de vida (perder peso, evitar sal e alimentos com alto teor de sódio, exercitar-se regularmente, parar de fumar e reduzir o distresse), acrescentando-se a administração de diuréticos de tiazidas (remédios para reduzir a retenção de água) àquelas cuja pressão sangüínea não respondem à dieta e a exercícios.
Estas linhas de orientação do JNC-7 nos traz em mente a estória do imperador vaidoso, ludibriado a desfilar pela cidade nu por dois alfaiates que o convenceram de que o tecido que eles usaram para suas novas vestes seria invisível para pessoas muito estúpidas ou incapazes de apreciar sua qualidade superior. A nova doença de pré-hipertensão proposta pelo JNC-7é como as roupas novas do imperador: uma doença invisível e imaginária impingida a um público ingênuo. Mesmo que seus leais proponentes possam estar agindo de boa fé, existe razão para se acreditar que eles possam estar indevidamente influenciados por outros, que possuem seu próprio plano particular.
Conselho ortodoxo
O primeiro conselho que pacientes com hipertensão arterial geralmente recebem é restringir substancialmente a ingestão de sódio. Entretanto, a vasta maioria não obtém resultado pela observância desta medida, a não ser que possuam certas características genéticas. Para alguns, a carência de cálcio por ser o culpado, e eles melhoram com a suplementação deste mineral[1]. Tais pessoas podem, na verdade, piorarem em decorrência de uma alimentação com baixo teor de sódio, uma vez que sua restrição implica limitação de laticínios, uma das principais fontes alimentares de cálcio. Outros se beneficiam pela suplementação de potássio e/ou magnésio.
Corridas leves e moderadas podem ajudar a reduzir a pressão arterial para algumas pessoas, mas, de forma mais comum, possui pequeno efeito e pode até causar elevação.
Pressão sangüínea alta ou hipertensão, assim como a febre, não é um diagnóstico, como no caso de diabetes, mas apenas uma descrição. Trata-se somente de uma leitura de pressão sangüínea elevada, por meio de algum dispositivo de medição. Este quadro pode ter diferentes causas, o que ajuda a explicar por que temos em torno de 100 remédios para tratar hipertensão arterial. Infelizmente, não existe algoritmo para garantir que um deles funcionará melhor ou será o mais seguro para um paciente em específico. Igualmente, a uma febre de 40°C em um paciente com lúpus pode ser necessário ministrar cortisona, mas, se a leitura da mesma temperatura de 40°C for devido a tuberculose, cortisona poderia atenuar a febre, mas seu efeito poderia ser fatal. Por outro lado, antibióticos adequados seriam um tratamento eficiente para tuberculose, mas teria pouca serventia para o caso de lúpus.
Fatores de risco e outras falácias
Para tratar eficazmente uma doença, é necessário remover ou reduzir sua causa, ao invés de suas manifestações ou marcadores. Tratar persistentemente pressão sangüínea alta ou temperatura é muito diferente de tratar taxa de açúcar sangüínea elevada. O objetivo na diabetes é simplesmente reduzir a glicemia a nível dentro da normalidade; as reações aos medicamentos e/ou alimentação são muito previsíveis e constantes, uma vez que a causa pode quase sempre ser identificada.
No caso da tensão arterial, é muito mais complicado. Muito da abordagem “uma pressão sangüínea serve para todo mundo” advém da confusão acerca do que um “fator de risco” realmente representa. A maioria dos fatores de risco para doenças cardíacas é meramente “marcadores de riscos” que simplesmente possuem alguma associação estatística com aumento de incidência de ocorrências coronárias. Existem mais de trezentos fatores de risco para ataque cardíaco, incluindo dobra profunda no lóbulo da orelha, calvície prematura no topo da cabeça, alta taxa de selênio na unha do pé, barriga proeminente, ter nascido no norte da Finlândia, não tirar um cochilo diariamente ou beber mais ou menos do que um ou dois copos de vinho por dia. Esforços no sentido de se tratar ou se remover tais marcadores de nada adiantarão, uma vez que eles não causam doenças coronárias. O mesmo pode ser verdade em relação a diminuição de pressão sangüínea sistólica ou diastólica elevada, a não ser que o tratamento seja direcionado ao que está causando o problema, o que geralmente não é claro.
Hipertensão e doenças cardíacas
É dito que hipertensão arterial predispõe a pessoa a ataque cardíaco, derrame e doenças renais.
Surpreendentemente, nenhum ensaio clínico randomizado jamais provou que reduzindo pressão arterial sistólica para 14 diminuiu o risco de morte por doenças coronárias. Um bom exemplo disto foi o multicenter Multiple Risk Factor Trial (MRFIT) [ensaio de fator de risco múltiplo multicêntrico], concebido para demonstrar que, reduzindo-se hipertensão, colesterol elevado e tabagismo, reduziria-se mortalidade por problemas coronários. Após triagem de cerca de 350.000 homens de meia-idade, os pesquisadores selecionaram em torno de 13.000 que acreditaram estar em grande perigo, por causa da preponderância destes supostos fatores de risco. Foram divididos entre grupo de tratamento para redução destes marcadores e grupo de controle que recebeu o cuidado usual.
Após dez anos e US$115 milhões, o grupo de tratamento atingiu, de maneira significativa, seus objetivos. Seus membros tiveram redução do colesterol e da tensão arterial, em comparação com as condições em que começaram, e muitos pararam de fumar. Entretanto, estes pacientes conscienciosos não apresentaram diferenças dos do grupo de controle. Com efeito, um subgrupo de hipertensos tratados com diuréticos tiveram as maiores taxas de mortalidade, provavelmente por fibrilação ventricular, devido ao esgotamento de potássio. O objetivo do MRFIT era atingir pressão sangüínea abaixo de 14/9. Pode-se somente imaginar o que teria sido da taxa de mortalidade, se o objetivo fosse abaixo de 12/8.
Quanto a derrame, alguns estudos mostraram que redução da pressão sangüínea pode preveni-lo, mas o efeito absoluto é menor do que 1%. E que somente hipertensão arterial extremamente elevada destrói a função renal.
Distresse e pseudo-hipertensão
Minha experiência pessoal tem sido a de que uma porcentagem significativa de pacientes tratados de “hipertensão essencial” pode parar o uso de seu remédio sem quaisquer efeitos adversos. Quando tais pessoas são admitidas em um hospital para cirurgia ou algum outro problema, e aqueles remédios são descontinuados, deliberada ou inadvertidamente, é comum que a pressão sangüínea se reduza a níveis normais e permaneça neles, para subir novamente apenas após a alta. Hipertensão relacionada ao distresse ou hipertensão de “jaleco branco” é muito comum. Em um estudo publicado no Journal of the American Medical Association, mais do que um em quatro pacientes com hipertensão arterial, quando no consultório médico, apresentam valores normais de pressão no monitoramento ambulatorial. Neste caso, os remédios são retirados, sem efeitos adversos.
Décadas atrás, quando homens jovens saudáveis eram examinados para apólices de seguro ou admissão nas forças armadas tinham leituras de valores altos, mas não retinopatia, albuminuria ou outra indicação de hipertensão crônica, costumávamos tranqüilizá-los e fazê-los se deitarem e se relaxarem em um cômodo silencioso. Após 15 ou 20 minutos, a repetição das medidas invariavelmente apresentava valores muito menores e, geralmente, normais. Médicos ocupados não têm tempo para isto nos dias de hoje. É muito mais fácil e mais seguro para eles prescrever um comprimido, uma vez que todos sabem que hipertensão é o “assassino silencioso”. Ademais, tratar hipertensão é fácil, não demanda muito tempo ou energia e pode ser bem lucrativa, já que eletrocardiogramas periódicos e radiografias do peito para monitoramento do tamanho cardíaco e exames clínicos são prontamente aprovados. O médico precisa somente perguntar algumas questões, o paciente geralmente não precisa se despir durante a consulta, e a sessão inteira dura mais do que dez minutos.
Uma cena comum é o paciente retornar após o diagnóstico inicial de hipertensão ter sido feito e um remédio ter sido prescrito, e ele estar ainda mais nervoso; sua pressão arterial, ainda mais alta ou mais elevada do que anteriormente; e ter, então, sua dose aumentada. Isto pode se repetir nas consultas seguintes, incluindo a prescrição de remédios adicionais. O resultado pode ser tontura ou outros efeitos colaterais que o paciente atribui à piora da hipertensão, gerando ainda mais distresse.
Também não se leva tanto em conta que a freqüência cardíaca e a pressão sangüínea se elevam, sempre quando falamos ou tentamos nos comunicar de alguma forma. As investigações referentes a este fenômeno, feitas por Jim Lynch, mostrou que tais elevações são maiores, subindo mais rapidamente do que usual, se conversamos com alguém de status social tido como mais alto e se o teor da conversa é a respeito de algo pessoalmente importante. A pressão sangüínea aumenta em surdos-mudos, quando usam a linguagem de sinais, mas não quando movimentam suas mãos aleatoriamente, mesmo se com a mesma intensidade de energia. A única ocasião em que isto não ocorre é em pacientes esquizofrênicos não medicados, possivelmente porque não conseguem mais se comunicarem.
Atuei nesta pesquisa com Jim por mais de vinte e cinco anos. Embora esses picos transitórios tanto na pressão sistólica quanto diastólica podem ser alarmantemente altos, os pacientes não notam isto e não apresentam sintomas. Usando um aparelho automático de medição de tensão arterial que apresenta pressão sistólica, diastólica e pressão arterial média em um monitor, é possível ensinar pacientes como reduzir suas pressões sangüíneas.
Também descobrimos que tais elevações não são aliviadas por qualquer medicamento anti-hipertensivo e, na verdade, são agravadas por bloqueadores beta. É comum pacientes ansiosos falarem, enquanto o médico está inflando a braçadeira para a medição, o que pode aumentar a pressão arterial em até 50% em algumas pessoas. Não existem evidências plausíveis de que tal hiper-reatividade esteja relacionada a qualquer aumento de incidência de hipertensão crônica. O mesmo é verdadeiro para levantadores de peso de elite, que podem apresentar pressões da ordem de 40/25 ou maiores, quando executando a suprema manobra Valsalva[2].
Outro motivo para pseudo-hipertensão é o tamanho uniformizado da braçadeira utilizada para todos os adultos, que pode provocar leituras significativamente altas em braços gordos. A largura da braçadeira deve ser 40% por cento da circunferência do braço. Isto é importante, devido ao grande número de pessoas obesas e praticantes de fisiculturismo.
Horário do dia, temperatura ambiente, bexiga cheia; ter comido, bebido ou fumado no intervalo de até uma hora antes; ter permanecido em pé, sentado ou deitado de costas pode influenciar nas medidas.
Tratando de números ao invés de pessoas
O aconselhamento oficial para tratamento de pressão sangüínea alta mudou dramaticamente ao longo dos anos. Quarenta anos atrás, o capítulo sobre hipertensão no Harrison’s Textbook of Medicine declarava que “Qualquer que seja a forma de terapia escolhida, não se deve esquecer que o médico que trata de hipertensão está tratando do paciente como um todo, ao invés das manifestações separadas de uma doença. O primeiro princípio da terapia para hipertensão é o conhecimento de quando tratar e de quando não tratar… Uma mulher que conviveu bem com sua pressão diastólica de 12 por dez anos sem sintomas ou deterioração não necessita de tratamento imediato de hipertensão. Elevação acentuada de pressão sistólica, com pouco ou nenhum aumento na diastólica não constitui indicação para terapia depressora. Isto é especialmente verdadeiro em pacientes idosos ou arterioescleróticos, mesmo que a pressão diastólica possa também estar moderadamente elevada”. Um médico, seguindo este conselho, hoje em dia, seria acusado de falta de aptidão profissional.
O capítulo, escrito por John Merrill, uma grande autoridade em hipertensão de Harvard, prossegue, enfatizando que “o médico deve ponderar constantemente o mérito de fazer seu paciente hipertensivo ciente, através de regime alimentar específico e acompanhamento regular, contra a necessidade real de alguma forma específica de terapia. Acima de tudo, durante o tratamento ou prognóstico, ele deve evitar gerar no paciente medo da doença que pode ser injustificado em nosso atual nível de conhecimento”. Contraste isto com a atual abordagem enlatada de tratamento de números que são, comumente, sem importância, ao invés de tratamento de pessoas.
Não há absolutamente nada de novo sobre pré-hipertensão que já tivesse sido referido como “normal alta”, em níveis maiores do que 12/8. Esta ainda seria uma descrição preferível, uma vez que ninguém sabe se hipertensão prolongada continuará a se manifestar em tais pessoas, ou se estas estão em risco significativamente maior, por causa de suas complicações. Tudo o que estas novas linhas de orientação fazem é transformar 45 milhões de norte-americanos saudáveis em novos pacientes, pela instalação do medo. É exatamente isto o que os especialistas estão enfatizando que devemos fazer! Como tantos médicos poderiam ter sido enganados por tantos anos?
O que acontecera ao dito hipocrático Primum non nocere (Primeiro, não causar mal)? Ele costumava ser a primeira preocupação de todos os médicos, mas parece ter sido deixado de lado ou esquecido, na marcha frenética e impessoal da prática médica moderna.
As recomendações do JNC-7
As linhas de orientação originais do JNC de 1977 observavam diversos estudos mostrando que pressão sangüínea poderia ser reduzida por meio de diuréticos de tiazidas. Relatórios JNC posteriores reiteradamente recomendavam o uso de diuréticos como tratamento inicial, baseados nos relatórios adicionais, demonstrando sua eficiência.
A despeito disto, o uso de diuréticos, na verdade, reduziu-se ao longo da última década aproximadamente, possivelmente por casa de expiração de muitas patentes e por que deixaram de ser lucrativos. Ademais, as indústrias farmacêuticas começaram a promover intensamente novos remédios, e as linhas de orientação do JNC-5, de 1993, adicionaram os inibidores de enzima conversora de angiotensina (ACE) e bloqueadores beta como terapia prioritária. Seus patrocinadores argumentaram que remédios mais caros poderiam ser preferíveis, uma vez que terapia com tiazidas poderia se relacionar com diabetes e ritmos cardíacos anormais, principalmente em doses mais altas. Os novos remédios também possuíam efeitos colaterais, mas seus promotores alegavam que eram mais propensos a reduzir complicações como ataques cardíacos e derrame.
Entretanto, muitos não são tão eficientes, mesmo em doses maiores ou quando combinados com outros anti-hipertensivos novos. Os especialistas descobriram cedo que metade dos pacientes com leitura de pressão sangüínea acima de 16/10, tomando dois ou mais destes remédios, melhoravam rapidamente, quando se adicionava diuréticos ou a dosagem destes era aumentada. O JNC-6 removeu as recomendações de inibidores de ACE e bloqueadores beta, e as novas linhas de orientação são aproximadamente as mesmas das propostas mais de 25 anos atrás, salvo este novo e confuso diagnóstico de pré-hipertensão.
Todavia, diuréticos não são o tratamento mais eficiente e mais seguro para todos os hipertensos, e outros remédios são claramente melhores para determinados pacientes. O que está errado é que médicos estão tratando de uma leitura em uma máquina de medição de pressão sangüínea, como o mesmo enfoque de uma receita de bolo, ao invés de tratarem do paciente ou da causa do problema.
Linhas de orientação para as linhas de orientação
A lei exige que todas as regras federais importantes, incluindo linhas de orientação que afetam o público, devem ser escritas e promulgadas, de acordo com o Código Governamental. Este código demanda seleção formal de uma comissão, pré-anúncio de todas as reuniões, reuniões abertas que estimulem o testemunho de todas as partes interessadas, assim como registros escritos, tudo devendo ser preservado em um arquivo especial. Tudo então é revisado, para prover debate escrito de todas as evidências relevantes que levaram às regras finais que devem ser publicadas no Registro Federal. Adicionalmente, se as linhas de orientação publicadas não estão em conformidade com a revisão lógica das evidências apresentadas, as recomendações podem ser vetadas por ação judicial.
Como as linhas de orientação do novo JNC-7 parecem não obedecer tal procedimento, acessei o Registro Federal, mas não consegui encontrar algo relevante. Quando entrei em contato com o Government Printing Office para questionar disto, recebi uma resposta, confirmando não haver registros do JNC, e fora-me indicado consultar um site de internet do NIH[3].
Esta falta de observância ao devido procedimento lembra muito a do National Cholesterol Education Program (NCEP) para detecção e tratamento de colesterol alto. O primeiro relatório NCEP emitido em 1988 foi sincronizado para coincidir com o lançamento do Mevacor, o novo remédio redutor de colesterol da Merck. Em uma ação sem precedentes, ele foi lançado ao público, semanas antes de os médicos poderem ler informação científica na qual ele era embasado. O último conjunto de linhas de orientação revisado, em 2001, que triplicou o número de norte-americanos aconselhados a tomarem estatinas, também foi publicado prematuramente.
Em ambos os exemplos, as linhas de orientação foram publicadas no Journal of the American Medical Association, mas não no Registro Federal. Não houve aviso público de quaisquer reuniões, as sessões não foram abertas ao público, a participação do público não foi solicitada, e não foram guardados registros detalhados e testemunhos das reuniões da comissão. A Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure (JNC) seguiu o mesmo formato, para contornar as regras e regulamentações governamentais.
Quando as autoridades dos NIH foram questionadas sobre a falta de protocolo, elas explicaram que as linhas de orientação para o colesterol e a hipertensão foram escritas por uma comissão não governamental de especialistas que eles haviam selecionado e, portanto, não estava sujeita às regulamentações do Registro Federal. Entretanto, tais linhas de orientação são apresentadas pelos porta-vozes do governo nas conferências governamentais à imprensa e são promovidas na mídia, aqui e no exterior, como as mais recentes linhas de orientação governamentais. O novo relatório JNC-7 fez sua estréia na sessão especial do encontro anual da American Society of Hypertension, em Nova Iorque. Isto ocorreu no mesmo dia de maio da conferência para imprensa do National Heart, Lung, and Blood Institute, em Washington, e coincidiu com o surgimento do “Relatório Expresso” JNC, no site de internet da American Medical Association.
Suspeitas
Minha suspeita pessoal é que interesses farmacêuticos poderosos estão por detrás de muito disto, assim como estão por detrás da criação do Mês Nacional da Hipertensão, em maio. Embora o JNC-7 se regrediu ao conselho prévio de que diuréticos não onerosos sejam a primeira opção, também enfatizou que “Serão necessários para a maioria dos pacientes com hipertensão dois ou mais remédios anti-hipertensivos, para atingir a meta de pressão”. Um porta-voz da Novartis elogiou copiosamente o relatório em um comunicado à imprensa, salientando que “O controle inadequado de pressão sangüínea se tornou uma crise de saúde pública. Incentivamos que novas abordagens, recomendadas pelo JNC-7, impulsionem-nos por aprimoramentos”. Isto é não nada surpreendente. Novartis, com seus 73.000 funcionários, em 140 países, e vendas, nos EUA, de US$21 bilhões ao ano, possui abrangidas todas as bases para tratamento de hipertensão. Ela produz Lopressor, um bloqueador beta; Lotensin, um inibidor de ACE; Diovan, um bloqueador de angiotensina II; Lotrel, uma combinação de inibidor de ACE e agente bloqueador de canal de cálcio, bem como produtos combinando estes com diuréticos de tiazidas.
Apesar de toda a badalação, muitos médicos não ficaram tão entusiasmados. Alguns continuam céticos quanto a as novas linhas de orientação terem oferecido algo que fosse novo ou útil. Diversas autoridades de destaque no campo da hipertensão denunciaram isto, com base em conclusões de que eram não apenas sem garantias, mas também enganosas.
A história completa não será publicada até o outono, e o relatório no JAMA[4] Express causou desconfianças. Este recurso tem o propósito de rápida disseminação de novas descobertas, critério pelo qual o JNC-7 está muito pouco qualificado. O processo de tempo de revisão por especialistas no assunto é de 24 a 48 horas, e todos os 33 autores do JNC teriam de ter dado resposta no prazo de 72 horas, o que é altamente questionável. Mas esta não foi a única reclamação. A recomendação por diuréticos como terapia prioritária foi amplamente baseada no ensaio de tratamento anti-hipertensivo e redutor lipídico para prevenção de ataque cardíaco, o (ALLHAT[5], outro estudo de muitos milhões de dólares que gerou conclusões duvidosas. Os resultados do ALLHAT também foram relatados antecipadamente no JAMA Express, e alguns acreditam que qualquer coisa envolvendo estatinas recebe este tratamento preferencial. Isso também vale para outras respeitadas publicações revisadas por especialistas, como The Lancet, que também expediu estudos sobre estatinas, a despeito do fato de eles não mostrarem nada de novo ou de significante. Inversamente, é muito difícil conseguir encontrar qualquer coisa negativa sobre estatinas publicada, mesmo quando os dados são confiáveis. Talvez isto tenha algo a ver com os rendimentos das numerosas publicações de anúncios comerciais de estatina.
John Laragh, diretor do Cardiovascular Center at the New York Presbyterian Hospital-Cornell Medical Center, fundador da American Society of Hypertension, é o editor-chefe de seu Journal e ex-presidente da International Society of Hypertension. Ele é uma das principais autoridades mundiais em hipertensão, por causa de sua descrição do sistema renina-angiotensina-aldosterona, o que lhe garantiu a capa da Revista Time. Eu cresci com John, somos amigos pessoais e profissionais por mais de 50 anos. Ele é um membro-fundador de The American Institute of Stress, do qual sou presidente. Fui tentado a lhe perguntar sua opinião a respeito das novas linhas de orientação, mas não o fiz. Suas objeções a elas e ao estudo ALLHAT foram muito bem detalhadas em uma conferência para imprensa e foram resumidas por seu colega, Larry Resnick, como, em essência, um “lixo”.
Laragh acredita que pacientes com hipertensão por renina alta são mais propensos a apresentarem complicações do que os hipertensos com renina baixa, bem como sensibilidade ao sal e respondem melhor a remédios que não diuréticos. Björn Folkow, outra autoridade e ganhador do prêmio Hans Selye e diversas outras honras, enfatizou a importância do distresse, do sistema nervoso simpático e das catecolaminas.
Eu acho que estes dois bons amigos endossam a “teoria mosaica” de décadas de idade de que hipertensão raramente possui uma única causa e pode resultar de desequilíbrio no acima mencionado e outros componentes pertinentes. Atualmente, pesquisadores estão se concentrando em nossa velha amiga inflamação como uma causa que pode explicar sua relação com doenças cardíacas coronárias, obesidade, diabetes e outras enfermidades. Citocinas infamatórias, como interleucina II, liberadas por células adiposas abdominais profundas, são uma das causas de resistência à insulina e síndrome metabólica. Elas são maiores na hipertensão, e descobriu-se que tanto a angiotensina II quanto a aldosterona promovem inflamação. Aumento do índice proteína c-reativa (CRP) é relatado em recém-hipertensos sem tratamento, no mesmo encontro, e outro artigo mostrou a relação entre CRP elevada e complicações por hipertensão.
Adendo
O que é pressão sangüínea normal?
Pressão sangüínea (BP) é essencialmente determinada pelo débito cardíaco (CO) ou força com que o sangue é bombeado para fora do ventrículo esquerdo e o grau de resistência vascular sistêmica (SVR) encontrado. Parece-se muito com a lei de Ohm, regendo a força de uma corrente elétrica, de forma que BP = CO x SVR. A hipertensão pode ser causada por aumento do débito sangüíneo, aumento da resistência vascular ou aumento de ambos. Embora a causa de hipertensão essencial ou primária em um paciente possa ser desconhecida, é seguro dizer que é mediada por um ou ambos destes dois mecanismos.
A pressão sangüínea é medida por um número superior e um inferior. O número superior ou sistólico é a pressão quando seu coração bate; a medida inferior ou diastólica é a pressão quando seu coração relaxa entre as batidas.
Apenas 25 a 30 anos atrás, ensinava-se aos médicos que pressão sangüínea normal era a décima parte da idade do paciente, somada a 10, sobre o coeficiente 9. Portanto, se você tinha 50 anos de idade, uma leitura de 15/9 ([50 ÷ 10] + 10 / 9) era considerada totalmente normal. Se você tinha 70 anos, então 17/9 era normal. Esta linha de orientação reflete o fato fisiológico de que a pressão sangüínea sistólica (como os níveis de colesterol) gradualmente se eleva com a idade. À medida que os vasos sangüíneos se estreitam e se tornam mais rígidos, é necessária mais pressão para mover o sangue através das artérias e veias. Em geral, a pressão diastólica aumenta até a idade aproximada de 55 anos e, então, passa a se reduzir.
O primeiro Relatório do Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure (JNC-1), em 1977, estipulou 12/8 como a proporção mais adequada e 12,9-12,8/8,0-8,4 como faixa de normalidade. Normal alta era 13,0-13,9/8,5-8,9 e estágio 1 de hipertensão ou hipertensão branda era 14,0-15,9/9,0-9,9. Estágio 2, 16,0-17,9/10,0-10,9; estágio 3, 17,9-20,9/100,-11,0; e estágio 4, >21,0/>12,0, de acordo com o grau crescente de gravidade. O JNC-7 decretou que a leitura de 12,0/8,0, anteriormente reconhecida como a mais adequada, coloca-o na categoria de “pré-hipertensão”, que deve ser tratada com mudanças no estilo de vida e remédios.
O que você deve fazer, se um número é alto e outro é normal ou baixo? Qual é mais importante, a medida da sistólica (superior) ou da diastólica (inferior)? A ênfase prévia na pressão diastólica era baseada em estudos anteriores, em pessoas jovens. Pressão sistólica acima de 14, com diastólica abaixo de 9 é chamada de hipertensão sistólica isolada. É comum em pessoas com mais idade, devido ao endurecimento das artérias, e pequenas elevações não eram consideradas sérias. No presente, estudos mostram que pressão sistólica elevada é um fator de risco independente para complicações que são muito maiores do que os riscos associados com pressão diastólica alta em pacientes hipertensos com mais idade. O mesmo pode ser aplicado a muitas pessoas mais velhas com vasos arterioscleróticos, em que é necessária pressão sangüínea mais alta para manter fluxo sangüíneo adequado aos rins e outros órgãos vitais.
Todavia, alguns idosos reclamam sistematicamente de fraqueza e tontura, se sua pressão sangüínea estiver abaixo de 12/8, o valor atualmente recomendado. Isto é especialmente verdadeiro para mulheres, que normalmente tendem a apresentar pressão sangüínea mais elevada do que homens neste grupo etário.
A maioria dos pacientes com hipertensão não apresenta sintomas, e as elevações da pressão sangüínea são geralmente descobertas durante um exame médico de rotina, ou por medição para solicitação de seguro de vida, emprego ou doação de sangue, ao invés de qualquer reclamação por causa de sua presença.
Algumas causas de Hipertensão
Incluem-se entre as causas aceitas de pressão sangüínea gravemente alta:
Doenças renais: estreitamento da artéria renal e enfermidades dos rins podem ser causa de liberação de renina, um poderoso hormônio que pode aumentar a retenção de sódio e a resistência vascular.
Aldosteronismo primário e doença de Cushing: estes quadros podem resultar em aumento dos hormônios adrenais corticais, que também causam retenção de sódio.
Feocromocitoma é um tumor da medula adrenal que secreta quantias excessivas de catecolaminas, como noradrenalina e adrenalina, que podem aumentar a resistência periférica, assim como o débito cardíaco, redundando em pressão sangüínea alta.
Diabetes: em diabéticos, os glóbulos vermelhos sangüíneos são comumente menos deformáveis e incapazes de se espremerem para trafegarem por capilares estreitos.
Aterosclerose: estreitamento das artérias demanda maior pressão para impelir o fluxo sangüíneo.
Outras teorias:
Deficiência de CoQ10: carência de coenzima Q10 prejudica a capacidade de o coração bombear sangue adequadamente e leva à compensação, resultando em leitura diastólica mais alta. Disfunção diastólica é um distúrbio na fase de relaxamento (de preenchimento) do ciclo cardíaco, que é aquela que necessita de muito mais ATP e CoQ10 do que a fase sistólica (de contração). Dr. Peter Langsjoen, um especialista em CoQ10 e doenças cardíacas, obteve excelentes resultados, tratando pressão sangüínea diastólica alta com este nutriente.
Aumento da viscosidade sangüínea: De acordo com esta teoria, pressão sangüínea elevada é uma reação de adaptação a uma elevação na viscosidade sanguínea, na qual as células do sangue tendem a se aglomerarem, prejudicando a circulação em capilares muito diminutos. Uma causa comum de aumento de viscosidade é o distresse. Consumo de açúcar também pode aumentar a viscosidade sangüínea. Fumantes e os que padecem de apnéia do sono geralmente apresentam leituras hematócrita altas (indicando aumento de viscosidade) e freqüentemente sofrem de hipertensão.
Faz sentido tratar de pressão sangüínea alta dirigindo-se às causas dos quadros acima, utilizando remédios para redução da tensão arterial somente quando tais medidas não são exitosas na redução da pressão sangüínea, quando perigosamente alta.
Alimentação e hipertensão
Há muito disponível, em termos de ciência séria, para prover linhas de orientação alimentar específicas para redução da pressão sangüínea, mas as seguintes sugestões podem ser úteis:
Troque o sal de cozinha pelo não refinado[6]. Evite sais comerciais. Esta é a sugestão de tratamento número um de Dr. Cowan, quem descobriu que o simples ato de eliminar sal refinado da alimentação pode reduzir a pressão sangüínea para a maioria de seus pacientes (evitar sal comercial também implica evitar alimentos processados, porque a maioria contém um monte de sal refinado).
Use manteiga, evite margarina e pastas contendo gorduras trans. Ácidos graxos trans inibem processos bioquímicos das membranas celulares. Pressão sangüínea alta é uma possível conseqüência do caos bioquímico decorrente.
Tome óleo de fígado de bacalhau[7]: vitaminas lipossolúveis presentes no óleo de fígado de bacalhau auxiliam a controlar o estresse, nutrem as glândulas e órgãos e ajudam na absorção mineral. Prostaglandinas que ajudam a normalizar a pressão sangüínea são feitas de DHA, um ácido graxo especial encontrado no óleo de fígado de bacalhau[8].
Consuma proteína de forma adequada. Estudos indicam que o consumo de proteína ajuda a normalizar a pressão sangüínea.
Coma carne de músculo de coração ou tome CoQ10. Dr. Peter Langsjoen descobriu que CoQ10 pode ajudar a normalizar pressão sangüínea diastólica alta na maioria dos casos.
Evite açúcar refinado e frutose: açúcares refinados aumentam a viscosidade sangüínea e tendem a exaurir muitos nutrientes.
Coma frutas[9] e verduras em abundância, preferencialmente orgânicos.
Evite exposição a cigarros contendo cádmio, produto intensamente pulverizado e substâncias químicas agrícolas. Pessoas com pressão sangüínea alta apresentam três vezes mais cádmio em seus organismos do que as demais (Lancet 1976; i:717-8).
Consuma caldo feito de ossos[10] e beba água dura[11], com minerais como cálcio e magnésio.
Artigo publicado em Wise Traditions in Food, Farming and the Healing Arts, revista trimestral da Weston A. Price Foundation, Outono de 2003.
[1] Não recomendamos a suplementação de cálcio, senão por meio de fontes naturais. Do contrário, o elemento suplementado não se apresenta em forma bio-assimilável, formando, em conseqüência, depósitos anormais e nocivos nos tecidos orgânicos, como ossos, vasos sangüíneos e glândulas. (Nota do Tradutor: NT).
[2] Vide https://www.youtube.com/watch?v=NqAWWIwC8kk. (NT)
[3] National Institutes of Health (Institutos Nacionais da Saúde), agência governamental do departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. (Fonte: Wikipédia.com. NT)
[4] Journal of the American Medical Association. (NT)
[5] Antihypertensive and Lipid-Lowering Treatment to Prevent Heart Attack Trial. (NT)
[6] Como, por exemplo, a flor-do-sal e o sal rosa do Himalaia. (NT)
[7] Há que se ter o cuidado de se encontrar uma marca confiável, isenta de misturas com outros tipos de óleos, como o de soja, omitidos nos rótulos de suas embalagens. (NT)
[8] E no óleo de peixe. (NT)
[9] Vale lembrar que a maioria das frutas são ricas em frutose. (NT)
[10] Como o de mocotó. (NT)
[11] Água natural e sem aditivos, naturalmente contendo alta concentração de certos minerais, como cálcio e magnésio. Segundo a Wikipédia, “Água dura é o tipo de água com alto teor de minerais (ao contrário da “água mole”). É formada quando a água se escoa por depósitos de cálcio e magnésio, contendo minerais como calcário, cal e dolomita. Via de regra, beber água dura não é prejudicial à saúde”. (NT)
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